sexta-feira, agosto 04, 2006

TV DIGITAL BRASILEIRA: do sonho ao ralo !!!

TV DIGITAL BRASILEIRA: do sonho ao ralo !!!

Mauro Oliveira (mauro@cefetce.br)

“Se foi pra desfazer por que é que fez?” (Vinícius de Morais)

O que levaria um Governo, nariz empinado, esperança de um novo tempo, a ter a ousadia de convocar a inteligência nacional para definir um modelo de TV Digital que atendesse aos interesses sociais e econômicos do país para depois jogar todo este esforço pelo ralo sem mais (nem menos) justificativas? A confirmarem-se os rumores, cada vez mais fortes na imprensa, o Brasil estaria muito próximo de definir-se por um padrão, a ser adotado de forma integral, desprezando o esforço acadêmico e a competência científica nacionais. Fala-se que no dia 10 de março o Presidente Lula anunciará a escolha integral de um dos padrões internacionais para a TV Digital brasileira em detrimento de um modelo híbrido, o único que contemplaria os interesses da nação.

Os tucanos deixaram aos petistas a decisão sobre futuro da TV Digital brasileira. No lugar da simples escolha de um dos padrões existentes (americano, europeu e japonês), o atual Governo teve a visão de instituir o SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital), um Consórcio de Pesquisa comissionado para o estudo e desenvolvimento de um modelo que atendesse aos interesses sociais, tecnológicos, culturais e econômicos da nação. O interesse social estaria contemplado por um modelo que privilegiasse a interatividade, permitindo o uso de serviços digitais, possivelmente a internet, promovendo uma ação efetiva de inclusão digital sem precedentes. O econômico vai desde a independência de um padrão e seus royalties associados à possibilidade de um modelo exportável de TV Digital interativa, capaz de interessar grandes mercados emergentes com condição geográfico-sociais semelhantes às do Brasil. O tecnológico estaria na valorização da competência nacional, dando-lhe chance de se consolidar, por exemplo, no campo do software (midlleware e aplicativos) e o cultural no estímulo à produção de conteúdo pela criação de um mercado próprio. Como dizem os professores Luiz Fernando da PUC-Rio e Guido Lemos da UFPB, em carta endereçada aos ministros responsáveis pela definição: “enganam-se aqueles que pensam que a adoção de um padrão estrangeiro não afetará a produção de conteúdos.”

Ao conduzirmos o SBTVD, como Secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, durante quinze meses, adotamos a estratégia de manter aberto um amplo leque de alternativas, mesmo a de que o modelo brasileiro de TV Digital viesse a convergir para uma das tecnologias já consolidadas, se tal atendesse aos nossos interesses. O que jamais contemplamos foi a possibilidade de adotar de forma dependente e subalterna a integralidade de qualquer desses padrões. Preservar um espaço para a contribuição tecnológica nacional e para, quando menos, a adaptação da tecnologia aos nossos interesses e necessidades, sempre foi tido como um parti pris lógico irrevogável.

O SBTVD, ao contrário do SIVAM, decidido à revelia da inteligência nacional, é um sucesso de planejamento e implementação que seduziu a academia de norte a sul do País de Monteiro Lobato. Foram envolvidos mais de 1.500 pesquisadores e 80 instituições de P&D que laboraram por uma solução para a TV Digital brasileira, sem xenofobia mas também com competência, orgulho e soberania. Tal solução poderia envolver os sub-padrões internacionais estabelecidos, o que é próprio da tecnologia globalizada, a exemplo do que ocorre com os aviões da EMBRAER que se valem de turbinas, parafusos e o que mais seja preciso, fabricados alhures, sem que percam com isso sua decisiva nacionalização. No mundo contemporâneo, o mercado das comunicações é tão ou mais importante que o da aviação, assim como é o da tecnologia da informação e da comunicação. O advento da TV digital é o que se chama de uma janela de oportunidade. Na lógica da sociedade do conhecimento, tão ou mais importante que o produto é a competência tecnológica que se adquire ao desenvolvê-lo. Podemos aqui repetir histórias de sucesso como as da EMBRAER, PETROBRÁS e EMBRAPA, ou repetir erros crassos do passado, como quando sob altas pressões, baixos golpes e pesados lobbies internacionais adquirimos o SIVAM que nossos técnicos e cientistas poderiam ter desenvolvido. Que pressões e lobbies, todavia mais surdos, agora nos acometem? Que interesses impedem o Governo de promover um amplo debate na sociedade, em assunto que diz tão de perto à vida de tantos? Que pressa o açoda, quando nenhum fato novo nos pressiona?

O Seu Zé do açougue, a Dona Maria da bodega, o Seu Reimundo,vigia, podem não entender muito de tecnologia, política e outros chantilis. Talvez não sejam até capazes de compreender este artigo, mas que ninguém duvide! Seu Zé, dona Maria e seu Reimundo, da mesma origem humilde de nosso presidente, que entendem muito bem a importância de uma Petrobrás, de uma Embraer, de uma Embrapa, entenderão o ralo ao qual poderá ser jogada uma oportunidade histórica, caso o Governo Lula decida pela adoção integral de um dos padrões internacionais de TV Digital.

Já que os políticos ou não têm conhecimento de causa ou por ela não demonstraram o interesse devido, espera-se da academia, esta que apesar de prestigiada no SBTVD manteve-se calada até agora, exceto em raros momentos, soltar logo os “cachorros” para que não nos exponhamos, em 10 de março próximo ou em qualquer outra data, à advertência do poeta: “se foi pra desfazer por que é que fez?”

Mauro Oliveira

Doutor em Informática, foi Secretário de Telecomunicações do MINICOM até setembro/2006.

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